sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

Budismo Junguiano e arquétipos transpessoais

"Como o burrico mourejando à nora,
A mente humana sempre as mesmas voltas dá...
Tolice alguma nos ocorrerá
Que não a tenha dita um sábio grego outrora..."
E lá vou de novo no novo: fácil falar de coisas que eu nada sei hehehe

Jung e os junguianos apresentam três diferentes usos para “arquétipo”:

As imagens arcaicas, primeiro e mais usado como percepção instintiva de si mesmo, existem, mas têm muito pouco em comum com o desenvolvimento pós-convencional.

Arquétipos como estruturas (formas)profundas isentas de significado são uma utilização aceitável, mas está quase totalmente em oposição ao primeiro uso (e.g., formal-operacional é uma estrutura profunda e, nesse sentido, é “arquetípica”, mas não se encontra 'forma' em imagens arcaicas, então todas as estruturas profundas de cada nível do espectro da consciência (exceto a informe) podem ser chamadas de arquetípicas. Mas, então, os arquétipos não têm absolutamente nada a ver com imagens arcaicas, não é mesmo?
O desenvolvimento junguiano desse uso tornou-se hoje bastante limitado e inútil.

E, arquétipo como “arquétipo alto” (as primeiras formas na involução, as derradeiras formas na evolução) também é aceitável, mas aqui o uso junguiano é anêmico. Ele vê os arquétipos como as primeiras formas na involução.
O mundo manifesto inteiro origina-se do Informe (ou Abismo causal) e as primeiras formas a surgir, sobre as quais as demais se apoiarão, são “arque-formas” ou arquétipos. Assim, neste uso, os arquétipos são as mais elevadas Formas das nossas próprias possibilidades, as Formas mais profundas dos nossos próprios potenciais – mas também as últimas barreiras para o Informe e Não-dual.
Como as primeiras (e primordiais) formas na involução ou manifestação (ou movimento de distanciamento da Fonte causal), os arquétipos são as derradeiras (e mais elevadas) formas na evolução ou retorno para a Fonte. Como as Formas bem mais próximas do Informe, eles são as primeiras formas que a alma assume à medida que se contrai diante do infinito e esconde sua verdadeira natureza; mas, exatamente por isso, também são os faróis mais altos no caminho de volta para o Informe e a barreira final a ser destruída às margens do infinito radiante.[1]
E, porque esses arquétipos são as primeiras formas no início da involução, eles são quase o exatamente oposto das imagens arcaicas, que são algumas das primeiras formas que surgem no início da evolução – mais uma razão porque a confusão entre eles tem causado tantos pesadelos teóricos).[2]


Filosofia Perene -

[1] Há muitas maneiras de descrever os arquétipos como usados pela Filosofia Perene. Se você está em meditação informe (cessação ou nirvikalpa samadhi), os primeiros fenômenos com que você se defronta na cessação são exatamente os arquétipos: formas sutis, sons, iluminações, sensações, formigamentos, influências, correntes energéticas etc.
Do mesmo modo, a cada noite, quando você sai de um sono profundo sem sonhos e começa a sonhar, as primeiras formas que você vê são arquétipos. Na yoga anuttaratantra, à medida que você cai no escuro perto da realização, as primeira formas vistas são arquétipos.(anuttaratantra)

O que tudo isso tem em comum é que os arquétipos são as formas primordiais localizadas na fronteira entre o não-manifesto causal e a primeira manifestação do nível sutil. Assim, eles são as primeiras e primordiais formas na involução ou manifestação (ou movimento de distanciamento da Fonte causal) e as últimas e mais elevadas formas na evolução ou retorno à Fonte (e, desse modo, também as barreiras finais).

Tais arquétipos são formas sutis, iluminações, correntes energéticas, sons, influenciações extremamente sutis e assim por diante – as primeiras formas do ser, sobre as quais o ser menor (homem corpo e alma) será modelado; as primeiras formas de influenciação sobre as quais os sentimentos menores serão um reflexo obscuro; as primeiras formas da consciência manifesta sobre as quais toda a cognição menor será uma pálida reflexão; as primeiras formas de som sobre as quais todos os sons inferiores serão um eco vazio.

Assim, os arquétipos, os verdadeiros arquétipos, são as Formas do nosso potencial superior; as Formas da nossa verdadeira natureza conclamando-nos a relembrar quem e o que realmente somos. E em sua derradeira ação, são abandonadas e destruídas – a escada que, tendo servido ao seu propósito, é posta de lado – e, aí, em substituição, aparece o infinito radiante que esteve sempre presente, brilhando inteiramente através e além dessas Formas.

[2] Mais problemático ainda é o fato que os mecanismos de herança desses dois tipos de “arquétipos” não são sequer vagamente os mesmos. Imagens arcaicas são herdadas de experiências comuns de outrora. Mas as estruturas profundas superiores (ou arquétipos superiores) nunca foram uma experiência comum do passado e, assim, nem mesmo têm a mesma origem. (A razão é que os “arquétipos altos” são perdidos no início da involução; os ‘arquétipos baixos” ou imagens arcaicas são perdidos no início da evolução. Não vi nenhum junguiano fazer esta distinção e isto faz claudicar o impulso completo da psicologia “arquetípica”, constantemente contaminando mesmo suas mais sofisticadas variantes com falácias pré-trans.)

E em todos os três usos, o arquétipo junguiano é ainda profundamente monológico.
[1] e,
embora pioneira, essa abordagem não é proveitosa para os estudos transpessoais da terceira onda.[2]

Obviamente, qualquer pessoa pode desenvolver um exercício exemplar do caminho junguiano, usando suas forças para transcender suas limitações. Bryan Wittine é uma delas e há muitas outras. Entretanto, acredito que a luz junguiana deve ser usada com cautela pois, de per si, não leva a raciocínio inferido ou diferido puro, nem à argumentação dialética nem à proposição silogística de um estudo transpessoal.
Não existe transpessoalismo nos moldes de Jung mas sim um simples coletivismo.

[1]“Arquétipos” junguianos são essencialmente monológicos, embora coletivos. Isto é, eles são basicamente estruturas subjetivas coletivas, não intersubjetivas coletivas. Assim, por exemplo, a imagem subjetiva da Grande Mãe origina-se de padrões intersubjetivos que não são encontrados em nenhuma das listas de arquétipos apresentadas pelos junguianos, exatamente porque esses padrões intersubjetivos não são objeto da fenomenologia monológica e, assim, não foram nunca desvelados por nenhuma das técnicas de consulta de junguianos e neo-junguianos. Jung e seus muitos seguidores mantêm-se firmemente dentro da tradição monológica, embora tenham estendido frutíferamente o conteúdo e a abrangência dessa fenomenologia.

[2] Wilber refere-se às três ondas da Psicologia: 1ª) behaviorismo; 2ª) psicologia de profundidade (psicanálise, junguiana, gestalt, fenomenológica-existencial e humanística); e 3ª) psicologia transpessoal.