quarta-feira, 14 de junho de 2006

O Homem segundo a filosofia vêdica

Prof Hermógenes

" As visões científicas ocidentais sobre o homem, como tenho mostrado, ajudaram muito a minha compreensão. Fizeram-me entender grande parte do que aconteceu tão espantosamente com tanta gente que melhorou, que venceu, reconquistou saúde e acrescentou exuberância à própria vida; que se libertou da mediocridade. Mas o modelo de homem (manava) segundo os Vedas, isto é, conforme os ângulos de visão principalmente das filosofias Sámkhya, Yoga e Vedánta, é o que efetivamente usei para minha própria experiência pessoal, para o trabalho na Academia Hermógenes de Yoga e para as propostas que andei fazendo, através de livros e cursos. E, não obstante a lucidez e os firmes alicerces que me propiciaram as ciências atuais, ainda hoje continuo fiel à sabedoria hindu, que me explica tão bem o homem holístico, isto é, o sistema grandioso que o homem é, e me faz compreender até mesmo as propostas mais avançadas e abstratas da ciência contemporânea.
Os Vedas
Veda significa conhecimento, sabedoria. Há milênios muito recuados, os sábios da Índia (os rishis) captaram a Ciência Eterna (os Vedas) intuitivamente, e a expuseram em forma de poesia, em hinos, utilizando uma linguagem nada lógica, mas essencialmente simbólica. Posteriormente, outros sábios, estudando o conteúdo védico sob ângulos particulares de visão (darshanas), criaram algo que no Ocidente chamaríamos “escolas filosóficas”.
O Uno e o Universo, incluindo todos os seres e todas as coisas, portanto também o homem, são “explicados” conforme seis dárshanas, ou “ângulos de visão”, sob os quais os Vedas foram analisados. Dos seis darshanas, três – Sámkhya, Yoga e Vedánta – são os mais úteis para nosso estudo, para levar-nos a compreender o homem, em suas aparentes misérias e em sua real magnitude.
Sámkhya
A filosofia Sámkhya foi proposta por Kapila, o qual, segundo uma escritura sagrada - a Shrimad Bhagavatam -, foi uma encarnação divina (Avatar). Ele ensinou que o homem é constituído por uma dualidade: Purusha, a Consciência, o Espírito imaculado, livre, imutável e imóvel, de um lado; e de Prakriti, a matéria, mutável, inquieta, limitada, limitante e transitória. Não obstante essencialmente transcendente e livre, Purusha, no homem, envolvido que está pela densa e frustradora matéria, vê-se cativo, padecendo e gozando, nascendo, morrendo e renascendo. É por se identificar com a matéria (Prakriti), isto é, por ignorância quanto à sua própria e original natureza, que, como que “encantado”, Purusha permanece no cativeiro. Só a percepção total da Verdade o libertará. Mas a natureza (Prakriti) tem muitos sortilégios capazes de prolongar tal ilusão e, conseqüentemente, a prisão de Purusha. A retomada da liberdade, portanto, só virá a ocorrer com a vitória da Verdade sobre a ignorância. A batalha é travada contra as trevas reinantes na mente e no intelecto.

Kapila desvela a nossos olhos como ocorreu a manifestação o Universo, até a formação do homem.
Yoga
A filosofia de Pátañjali ou Yoga se baseia na escola filosófica anterior, o Sámkhya, como teoria. Mas enquanto esta faz a libertação depender tão-somente de uma conquista gnosiológica, isto é, somente graças ao conhecimento ou constatação, o Yoga, fazendo-nos alcançar não apenas uma compreensão científica da mente humana ensina-nos principalmente uma austera disciplina (sádhana), isto é, uma prática para o aprimoramento da mente, a qual é levada à perfeita quietude. É quando todas as funções e movimentos da mente se detêm que Purusha escapa do cativeiro, alcançando seu estado original, que é Liberdade, Poder e Perfeição.
Sámkhya é portanto uma teoria. Yoga é essencialmente uma prática. Elas se completam. A primeira diz-nos que somos Perfeição mas, por ignorância, nos sentimos imperfeitos; que somos Onipotência, mas só acreditamos em nossa própria debilidade; que somos Sanidade, mas nos supomos doença. Basta mudar nossa errônea crença para que, libertos da ilusão, atinjamos a Perfeição, a Onipotência e a Saúde. Yoga, mostrando-nos que as condições adversas (vrittis) de nossa mente (chitta) é que nos mantém no cativeiro, ensina-nos o que fazer e nos propõe um autotreinamento visando a purificá-la, estabilizá-la e submetê-la, o que permite, finalmente, parar (nirodhah) as agitações (vrittis) que na substância mental (chitta) febrilmente se manifestam. E, assim, se alcança não somente a perfeita Paz (shanti), mas a Liberdade (kaivalya ou moksha) final.

Mas o Yoga, tendo por base o Sámkhya, não poderia deixar de considerar a ignorância como o verdadeiro carcereiro e, portanto, o fator do cativeiro. Pátañjali, o codificador do Yoga, enumera cinco fatores (kleshas) que geram todas as formas de limitação e sofrimento que machucam cada um de nós e toda a Humanidade. Na enumeração abaixo, cada um gera o seguinte, sendo o primeiro exatamente a ignorância, causa única dos demais. São os cinco kleshas, que se seguem:
1) Avidya, que significa falta de conhecimento ou sabedoria (vidya), mantém-nos incapazes de saber que, em verdade, somos Purusha (eterno, imutável)...(Consciência Pura);
2) Asmita é o ego pessoal, inferior, isto é, aquilo que, nos enganando, nos faz pensar que somos um “fulano-de-tal”, que é distinto e está distante de tudo mais; em outras palavras, nos torna egocêntricos e egoístas;
3) Raga é o apego a tudo o que gratifica asmita (o ego), e assim nos mantém em permanente desgaste e tensão;
4) Dwesha, ou aversão, é a atitude de rechaço ou hostilidade a tudo que desagrada asmita, o “fulano” que cada um supõe ser, acarretando dramas, estresse, crise e lutas;
5) Abnwesha é o medo de morrer ou o apego à vida ou à existência de asmita."

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